terça-feira, julho 18, 2006

churrasquinho de gato

Kitty 1


Todos os dias desde dezembro do ano passado agradeço pelo mito de que os gatos têm sete vidas. Dizem que é apenas um mito:

O costume de se dizer que os gatos têm várias vidas provavelmente deriva de determinadas particularidades anatômicas e fisiológicas desses animais. O tamanho e a conformação dos músculos dos gatos, maiores que dos cães, permitem que os eles dêem saltos bastante ousados. Além disso, eles são exímios equilibristas. Essas características, aliadas a uma grande flexibilidade, agilidade, destreza, garras afiadas, visão e audição aguçadas, permitem que os felinos se safem de muitas situações adversas.

Tive a comprovação de que não se trata apenas de um mito e sim de uma realidade. Não posso falar sobre sete vidas. Pelo menos, mais de uma eles têm. A minha gata Kitty, por exemplo, já gastou uma.

No final do ano passado eu estava trabalhando com o Sérgio na direção do material didático novo da Wise Up. Não tínhamos horário certo de ir nem de vir. A gente já tinha perdido a noção dos dias da semana e a rotina das horas. Chegávamos em casa no meio da noite, da manhã, da tarde. A gente tinha que encaixar a vida num segundinho de paz.

Eis que o Sérgio nos deu um dia off. Viva! Folga! Manicure! Praia! Ginástica! Livros! Eram tantas coisas que nos faziam falta que a gente nem sabia o que fazer nem por onde começar com um dia inteiro só pra gente.

Resolvi malhar de manhã para dar um boa energia ao dia, depois praia e uma ajudinha no visual. Afinal, a maré não está pra peixe. Quando cheguei em casa, a Kitty não estava à porta à minha espera. Chamei-a. Ela miou lá da cozinha. Chamei de novo. Ela miou lá da cozinha de novo, mas não veio ao meu encontro. Pensei: essa gata está fazendo charme. Fui até a cozinha e procurei a gata em todos os cantos. Ela miou de algum canto escondido. Chamei uma última vez e então percebi algo que nunca tinha presenciado antes: o fogão miava!

Agachei na mesma posição em que Napoleão perdeu a guerra para olhar debaixo do fogão. Nada. Abri o forno. Nada. Tentei puxar o fogão para fora do seu nicho (linguagem fashion para o buraco onde um móvel fica embutido), mas não tinha forças para tanto (eu já disse, inclusive no texto anterior que estou gorda, velha e fraca - não necessariaemnte nessa mesma ordem). Os miados da gatinha (ela ainda era bebê) haviam migrado de uns leves e humildes miadinhos para manifestações de raiva e desespero.

Liguei para o zelador, Seu Bráz, para me ajudar. Nossa! Como faz falta ter um homem em casa nessas horas. Na hora de abrir o vidro de palmito também. Bom, isso não vem ao caso agora. Seu Bráz não estava. Falei com sua esposa, Dona Zezé, que normalmente demora um tempinho para entender o que a gente diz. E por que haveria de ser diferente? Eu não conseguia fazer com que ela entendesse. A conversa seguia assim:

- Dona Zezé, preciso muito achar o Seu Bráz. É URGENTE!

- Ahhhhhh, Dona Maria Paula. Ele saiu. Foi ao banco...

- A senhora sabe se ele demora? Que horas ele saiu?

- Ihhhh, Dona Maria Paula. ele saiu tem mais de duas horas. Ele sempre demora no banco. (aí eu já comecei a pensar que o Seu Bráz deveria ter uma amante apelidada de "Banco")

- Dona Zezé, eu tenho uma emergência: a minha gata está presa dentro do fogão e preciso do Seu Bráz para me ajudar a mexer no fogão.

- Uéeeee, Dona Maria Paula, a senhora já tentou abrir o forno?

- Já, Dona Zezé.

- A senhora olhou dentro do forno?

- Olhei, Dona Zezé.

- E ela não tá lá?

- Não, Dona Zezé.

- Uai! Como pode?

- Não sei, Dona Zezé.

- Vou pedir para o meu filho, X, ir aí ajudar a senhora.

Moro nesse prédio há quase dez anos, só tem cinco apartamentos e não tenho noção dos nomes de todos os moradores nem do filho do zelador, que tem seus 40 anos e me cumprimenta quase diariamente.

Nesse meio tempo a gata já não miava mais, urrava.

X (vou me referir a ele assim), fortão, bonitão, com um inconfundível ar de gigolô, sempre de shortinho e sem camisa, chegou lá, ouviu todos os ruídos, tirou a boca do fogão e viu uma patinha da gata.

- A gente vai ter que desmontar o fogão. A senhora tem ferramentas aí?

- Eu? Não. Não tenho...

Enquanto ele tentava, bateu o desespero em mim: peguei as páginas amarelas à procura de uma assistência técnica da Brastemp. Liguei.

- É da assistência técnica da Brastemp?

- Sim. Em que posso ajudar?

- É uma emergência! A senhora precisa me mandar um ténico aqui agora!

- É vazamento? A senhora está sentindo cheiro de gás?

- Não. Meu gato está preso dentro do fogão e preciso de alguém para desmontá-lo. O fogão, não o gato.

- Como assim?

- Moça, não dá tempo de explicar. A senhora tem alguém aí para me mandar?

- Não. Estão todos na rua. Mas vou dar um jeito!

X desce para buscar ferramentas. Chega Seu Bráz. Nem pergunta nada e começa a tentar arrancar aquela parte do fogão de aço inox que eu jamais vou saber o nome porque cozinha pra mim é um território hostil dentro da minha própria casa. Toca o telefone:

- Dona Maria Paula, aqui é da assistência técnica da Brastemp. Só estou ligando para saber como está o gatinho.

- Vivo. E o técnico? Quando vem?

- Não temos nenhum disponível, mas liguei para todas as outras assistências aqui em volta e eles ficaram de me avisar se surgir alguém.

- Tá. Obrigada.

Seu Bráz conseguiu arrancar a tampa e a gata estava toda emaranhada nas hastes do fogão e naquele contatozinho do botão do gás para a boca do fogão. Uma confusão só. A gente nem podia tentar tirá-la de lá para não rasgá-la ao meio. E a gata estava irada! Olhava pra mim com quem diz: E agora? O que você pretende fazer? Vai me deixar aqui?

Uns dez minutos depois ela se desvencilhou. Saiu meio manca, mas bem.

Liguei para a assistência técnica de novo.

- O gato já está bem, mas preciso de alguém para remontar o fogão.

- Sem problemas. Podemos agendar para amanhã?

- Então está marcado!

Depois disso ela nunca mais entrou no fogão, mas eu fiquei na maior paranóia com todos os outros eletrodomésticos: máquina de lavar, geladeira, etc.

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