segunda-feira, agosto 07, 2006

passageiro (5)7?

Cachorro no jogo do bicho é 7, passageiro indesejado de avião em Hollywood é 57, então um cachorro escondido numa bolsa dentro de um avião é o que? Passagueiro (5)7? Passageiro 50? Ou 64, somando os dois? Vocês devem estar pensando em um poddle numa bolsa para cachorros com a tal da GTA (Guia de Transportes de Animais) em dia etc. Não, eu não estou me referindo a isso.


Poodle



Nós sempre tivemos cadelinhas poodle, elas sempre participaram de nossas vidas e durante um bom tempo após a mudança da minha para a Bahia, mais precisamente pr'o Arraial d'Ajuda e montou a Pitinga, que o trajeto Rio-Porto Seguro ficou mais emocionante. Houve inúmeras vezes em que contrabandeamos animais, quer dizer, transportamos animais de forma informal em aviões. Infelizmente a modernização dos aeroportos tornou a aventura impossível, mas o passado nos condena.

Era uma vez, uma senhora chamada Antonia ou Silvia (naquela época ainda era Silvia - veja em Dia da Avó) descia de maneira suspeita de um táxi segurando uma bolsa grudada ao corpo, olhando para os lados e com a certeza de que todos olhavam para ela. Naquele tempo o Aeroporto Santos Dumont só exigia revista para a ponte aérea. Essa senhora, pelo menos duas vezes ao ano embarcava na maior cara larga com uma cadelinha malocada dentro da bolsa. Ela mantinha a bolsa no seu colo e uma das mãos sempre dentro da bolsa para que a bichinha não se assustasse e denunciasse aquela senhora de olhar tão doce e ar tão respeitável. Houve, porém, certo dia uma mudança de portão fez com que todos os passageiros tivessem que se dirigir ao raio x para ter sua bagagem inspecionada. A velhinha, coitada, suava frio, aquela fila parecia interminável e os segundos pareciam horas. Chegou sua vez. Ela pensou em fingir um desmaio ou uma crise de pressão alta, o que por poucos segundos não seria mais preciso fingir. Ela coloca a bolsa na esteira e a bolsa entra no raio. O rosto do funcionário da segurança do aeroporto muda. Um ar inquisitvo toma conta e ele aperta aqueles botões fazendo com que a bolsa vá e volte. Chama um colega e depois outro. Finalmente, ele resolve questionar a simpática velhinha que o olha da maneira mais cínica do mundo:

- Minha senhora, tem algo errado com sua bagagem. A senhora poderia abrí-la?

- Moço, eu não posso abrir a minha bolsa senão todo mundo vai saber que estou levando a minha cachorrinha escondida aí. Ela é boazinha e tomou um remedinho para dormir. Ninguém vai perceber. Por favor, deixa. Eu não posso viajar sem ela.

Pausa. O funcionário olha para ela e quando abre a boca para dizer algo, ela imediatamente começa:

- Ai! Minha pressão! Acho que vou desmaiar! Preciso sentar.!.

- Minha senhora, calma! Por favor, se acalme! Tudo bem. Desta vez, vai passar porque se a senhora morre aqui... Deus me livre!

Nem preciso dizer que ela saiu bem dessa e de muitas outras. Ela acabou ficando conhecida, mas aí ela já estavam diminuindo as suas idas e vindas e não houve maiores conseqüências.

Eu, porém, tive minha parcela de emoções também. Como a Preta, minha cadela, era um pouco maior que a da minha avó, era mais difícil de malocar. Então, por um bom tempo, segui as leis como deveria. Levava a bichinha até um veterinário credenciado pelo Ministério da Agricultura (como se o meu cachorro fosse um legume) para tirar a GTA. Comprei uma caixa de transporte. Avisava no ato da reserva que viajava com um pet e lá ia a coitada para o porão do avião. É claro que nenhum avião que fizesse a rota sem escalas do Rio para Porto Seguro tinha compartimento para animais e éramos obrigadas a fazer uma escala de 3 horas em SP. A bichinha chegava lá em frangalhos, doidona do remédio e toda suja.

Até que um dia eu cansei. Cansei de correr pra lá e pra cá tirando documentação. Até porque cada GTA só valia para uma perna da vigem, tendo que fazer tudo de novo em Porto Seguro. Cansei de ter que deixar a minha filhinha em uma caixa por um período tão longo, fora o medo de que a minha cadela fosse extraviada e parasse em Manaus. Acho que os funcionários dos aeroportos também se cansaram de mim pois eu atormentava todos durante a escala para saber como estava a minha filha, queria vê-la para ter certeza etc.

Nesse dia eu estava voltando de Porto Seguro, onde não há raio x no aeroporto. Resolvi arriscar. Dei um remedinho para a Preta, coloquei-a na bolsa, passei um óleo de peroba no rosto e fui. Entrei no avião e tive uma sensação estranha ao olhar para a cara da aeromoça. Ela não era do bem. Achei meu assento. Cumprimentei o cara ao meu lado. Coloquei a bolsa no chão. Enfiei meu pé dentro para a Preta sentir minha presença. Estava tudo correndo muitíssimo bem. A tal aeromoça do mal, com um tom de voz soturno, me diz:

- A senhora tem que alocar a babagem no compartimento acima da sua cabeça.

- Não posso colocar o chão?

- Não. Somente no compartimento acima de sua cabeça.

Aloquei. O avião estava lotado. Havia uma excursão da Soletur que tocava um pagode. Ninguém merece! De repente, o rapaz ao meu lado, um gatinho, puxa conversa (oba!)

- Você está ouvindo um rangido? Tem algo rangindo no avião.

Era a Preta, coitada, trancada no compartimento acima da minha cabeça provavelmente sufocando. Deixei o avião decolar e desci a bolsa, coloquei meu pé dentro e tudo voltou ao normal. O rapaz olhou para mim com cara de ponto de interrogação e me vi obrigada a abrir o jogo.

- É a minha cachorrinha. Ela está muito mal e o veterinário disse que ela não resistiria à viagem se fosse no porão. A companhia aérea não me deu nenhuma ajuda e fui obrigada a trazê-la escondida. Ela está dopada. Se você quiser, podemos tentar mudar de assento.

- Não precisa. Está tudo bem, mas cuidado com aquela aeromoça. Ela tem jeito de mal-amada.

Não deu outra! A mulher veio me pedir para colocar a bolsa no compartimento acima da minha cabeça.

- Senhora Fulana, não posso. A minha bolsa tem conteúdo frágil e vai nos meus pés.

- Não vai, não. Senão vou ter que falar com o capitão.

- Ah, então já que senhora vai falar com o capitão, devia falar logo a verdade: o que tenho na minha bolsa é a minha cadelinha que está muuiiiito mal e está dopada. Meu vizinho aqui não se incomoda. Se a senhora quiser, podemos voltar para Porto Seguro, mas acho que a galera não vai gostar.

- A senhora mentiu para a companhia aéra!

- Não menti, não. Liguei mais de dez vezes, contei a história toda, mas fui ignorada. A companhia aérea vai ter que se explicar com TODOS os passageiros deste vôo. Tá afim?

Ela calou-se. Olhou pra mim como o próprio demo. Engoliu a seco. Bateu os calcanhares como se fosse militar e nunca mais voltou ao meu assento.

Depois disso, desisti de levar meus animais para visitar a vovó deles (minha mãe).

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