segunda-feira, agosto 21, 2006

seu flor

poligamia

Era um vez um contador chamado Herculano. Era casado com Dorotéia há 40 anos e amante de Dirce há 35. Tinha seis filhos. Todos de idade em escadinha. Morava numa casa no Méier, na Rua Dias da Cruz. Dirce morava em Niterói. Ele a visitava todas as terças e quintas à tarde. Dizia à sua mulher que tinha reunião com seu cliente mais antigo, o Dr. Bulhões. O Dr. Bulhões, por sua vez, era casado com Maria Silvia e ambos conheciam o Herculano há muitos, mas muitos anos mesmo. Conheciam Dorotéia e sabiam tudo sobre sua vida com Dirce.

Eis que um dia o telefone toca às 3:00 da madrugada na casa do Dr Bulhões. Era Dirce:

- Dr. Bulhões, desculpe incomodar mas o Herculano morreu! Não sei o que fazer! Ele está aqui em casa! A minha vida acabou! Eu não sei viver sem ele!

Ele olha para Maria Silvia e diz:

- Você vai para a casa da Dirce, leve o Felizberto com você para te ajudar. Eu vou cedinho à casa do Herculano para contar à viúva. Vou pensar em algo para dizer. Não sei como explicar porque ele estava em Niterói a uma hora dessas.

Maria Silvia acordou Felizberto. Ele era um amigo recém-separado que estava passando uns tempos com eles até arranjar um lugar para morar. Partiram para Niterói. Naquela época ainda não havia a ponte e a travessia levava mais de hora. Acabaram chegando lá de manhãzinha. Encontraram o coitado sentado à mesa, debruçado sobre uns cálculos, completamente vestido. Ele já tinha uma vida de casado com a amante também! Começaram os preparos para o funeral: caixão, cemitério e o mais difícil: transportar o corpo para o Rio de Janeiro.

Enquanto isso, o Dr. Bulhões se preparava para dar a notícia à viúva. Vestiu um terno preto, camisa branca e gravata preta. Esperou o relógio bater seis horas e se mandou para o Méier. Chegou lá por volta de 07:30. Ensaiou seus dizeres, respirou fundo e tocou a campainha. Dorotéia abriu a porta e um grande sorriso:

- Dr. Bulhões! Que surpresa! O Herculano não está. O senhor combinou alguma coisa com ele?

- Dorotéia, não tenho boas notícias a lhe dar...

- O safado morreu na casa da vagabunda! Eu sabia que isso ia acontecer! Nem para morrer em casa o canalha serviu! Tinha que morrer logo na casa da vagabunda?

Ela gritava tão alto que despertou a curiosidade de todas as vizinhas que batiam à sua porta e iam entrando casa adentro, agarrando o Dr. Bulhões querendo saber mais detalhes. Ao menor sinal de descuido, ele atravessou pela porta e saiu fugido daquele manicômio.

O velório foi marcado para 17:00 no cemitério do Caju. Dr. Bulhões foi o primeiro a chegar com medo de que viúva e "viúva" se encontrassem. Maria Silvia, depois de organizar tudo, foi em casa tomar um banho e trocar de roupa. Chegou um pouco depois das 17:30 e encontrou Dr. Bulhões e o chefe dos coveiros engalfinhados pelos colarinhos.

- Mas o que é que está acontecendo aqui? Não se tem mais sossego nem no cemitério? Temos um morto a velar!

- Maria Silvia, este homem está me dizendo que não vai enterrar o Herculano porque você esqueceu de reconher o atestado de óbito no cartório.

- Este senhor me disse que eu tenho que enterrar esse presunto senão ele vai deixar o morto aqui, que está pouco se lixando porque o cara já morreu mesmo e que enfie o corpo a senhora sabe aonde!

- Bulhões, vá conslar a Dorotéia que eu resolvo!

Dr. Bulhões se afasta e ela olha para o chefe dos coveiros:

- Senhor, por favor, quero que o senhor entenda que o problema pode se complicar ainda mais. Enterrar esse infeliz o mais rápido possível é uma necessidade. Imagine o senhor que ele morreu na casa da amante.

O coveiro piscou os olhos e esfreguo-os como que para acordar.

- E tem mais. A amante disse que vem ao enterro e eu não quero estar aqui quando as duas se encontrarem. E o senhor? Vai querer encarar?

- De jeito nenhum, madame! Já vi um desses aqui e sobrou tiro para tudo quanto é lado. Eu enterro o malandro, sim, mas a senhora tem que me prometer que me traz o documento reconhecido amanhã cedinho.

- Pode deixar! Promessa é dívida!

Após o enterro, fez-se a fila dos pêsames. Chegou a vez de Maria Silvia cumprimentar a viúva.

- Querida Dorotéia, se precisar d alguma coisa, pode contar conosco.

- Dona Maria Silvia, há somente uma coisa que preciso saber: ele estava vestido ou nu quando a senhora o encontrou na casa daquela vagabunda?

Surpresa com tal pergunta, Maria Silvia relembrou a cena do homem sentado morto à mesa, debruçado sobre uns c;alculos e respondeu:

- Dorotéia, eu não levantei o lençol para ver.

E saiu sentindo que havia vingado a verdadeira viúva de Herculano.

viuva

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